sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

LETARGIA

Vomito tédio
Bebo mais um gole
De absinto
Minto:
“Tá Tudo Bem!... Tá Tudo
Lindo!...”
Abro a janela do meu leito
Mortuário;
Beijo
O seu retrato amarelado,
E abro o peito
Para o mundo putrefato!

Macário Ohana Vangélis

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MACÁRIO

- Pó, mano, ó..., o mundo tá cabando...
As pessoa não acredita...
Mas o mundo tá cabando...
Tudo que tá acontecendo...,
o dilúvio, tudo...
já aconteceu faz séculos, ó...

- Eu já li a bíblia uma pá de veiz, ó... de cabo a rabo...
As pessoa as veiz vê eu fala assim imissarreiam, ó...
Mas eu não sou crente nem porra nenhuma...
Só busco a sabedoria; cêtasacando?...

- As pessoa riram pra caraio di Adão e Eva também,
bró, tá lá na bíblia, ó...
Ta vala os dois construindo o barco..,
Porque rolou um papo
Que eles tavatransando no paraíso, ó...
Na mó foda, mano...
Só que Cristo surpreendeu os dois...
Ai o bicho pegou, Cristo gritou prus dois:
Cês dois constrói um barco
e sumam do meu jardim
qu'euvômandá água, ó...
Porra!.., nessa parte eu sô contra deus,
deixa os cara...
É proibido transa agora?
Mas deus foi radical mano...
Choveu pra caraio... um pá de tempo, ó...
Todo mundo que rio di Adão e Eva morreu afogado, ó...

- Ta lá também a treta dos dois manos que sistranharo, ó...
Eles tavam oferecendo um bagulho pra deus...
Só que deus curtiu mais o bagulho dotro cêliga?..
Aí os manos sidisintendeu,
vai vendo, quebraram o pau mano...
Notro dia deus encontro um caboca cheia difurmiga, ó...

- Pô, mano!., essa noite eu sonhei com Jesus Cristo, ó...
Cristo apareceu pra mim em sonho...
Módoidão di tamanco e vestidão branco, ó...
Cabeleira poraqui, ó... (aponta as costas)
barbão estilo Raul Seixas...
Cêliga Raul Seixas?..

- Pó! Mó roqueiro filosófico brasileiro!..

- Pô, mano!.. Cristo tava fudido comigo, ó...
Apontou o dedo prá minha cara e falou:
Você num vai chega a vinteum ano, ó...
CÊ vai morre dioverdose...
É, mano, Cristo falo qu'euia morre dioverdose
e viro as costas pramim...
Eu ainda gritei, pedipraelesperá...
Qu'euqueria leva um lero cum ele, ó...
Mas Cristo num tava nem aí, ó...
Me deu as costas e foimbora.
É mano, Cristo viro as costas prámim!...

- É, deus é um cara imprevisível!...
Também o que fizeram cum ele...
Uma puta sacanage esse papão da cruz.

- Porra, mano...
Aquilo midexô grilado, ó...
Esse papo de Cristo virá as costas prámim...
Aí eu parei dibebê,
parei casdrogas icuntudo...
durante uma semana.

Aquele léro cum Cristo
fico girando em minha mente...
mó fissura.
Aí eu resolvi ipaigreja...
Eu deviatá completamente insano,
Praentrá num lugádesse, ó...
Aí eu cumecei ipaigreja...
Sóqu'euiadoidão...
Viajandão... calibrado...
Cuntodas naveia. ó...
De repente, sacasó!...
eu percebi quiupastô tinha sumido...
Tasacando?..
Os fiéis ajoelhado rezando,
e eu doidão andando paláipacá, ó...
todos miolhando, mano...
e eu pensando cumigomesmo;
esse filhodapuita vai apronta alguma cumigo...

Numdeotra.
Numa das voltas quand'euia em direção da porta...
Parou uma barca da rota, ó...
Aí os policial miganhô imitiraram daigreja, mano...

Também nuncamais voltei...
Pasto é tudo falso, mano...
Crentiétudofilhodaputa, ó...

Macário Hoana Vangélis

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

LÚBRICA SINFONIA NOTURNA Nº 2

Quero possuí-la sobre a pedra tumular
da menina recentemente assassinada
violada brutalmente em sua inocência
cordeiro sacrificado no altar do breve prazer
odiento da escória humana.

quero despi-la e exibi-la nua
ao lúdico brilho das estrelas!...
ao lúbrico clarão da lua!...
ao tétrico riso lascivo da noite
e dos girassóis noturnos!...

quero passear mãos e línguas
sobre a maravilhosa geografia estrangeira de teu corpo
brincando por indeterminados instantes
em suas dunas, curvas, cavernas
arrancando do fundo do seu ser
orgásticos ais, que jorrarão de sua garganta
na mais perfeita sinfonia profana!...
acordando a menina de seu leito de pedra e grama
e despertando o "campo santo" e os vermes
(lesmas, sapos, corujas, grilos, libélulas,
morcegos, corvos, borboletas, salamandras)
e a menina observando-nos,
como se não houvesse amanhã!...
guarde no coração esse sonho e
sonhe também seus amores podados.

e sonhando dormindo ainda,
reconstrua seu mundo encantado
e que na travessia perdoe
a escória humana.

Macário Ohana Vangélis

ANUNCIAÇÃO

Meu corpo etéreo transpõe a porta da
Velha
Capela...
Cripta medieval contemporânea...
Ar frio!... Frio Mármore!...
Luzes e sombras arrastando-se e beijando-se em raros
afrescos
De um autor romeno...

...

O Jardim solitário em frente!...
Se eu estivesse doente ou à beira da morte talvez...
Talvez num íntimo ato cínico... um último ato...
(Serei assim tão Cão Andaluz?!...)
Eu cuspiria meu último escarro, meu último sarcasmo,
Não abutre que me viesse a tomar-me a extrema
unção!...

- Augusto tens um cigarro?...

Miro "O Sopro Divino"!...
Lúcifer ou Adão Cadmom?...

O barbudo velho no teto!...
Quem é?...
Não me diz nada!...
Ameaça-me com sua severa cara!...

...

Nietzsche!... Eu sou dos seus...
O "Judas Enforcado..." me diz
tanto... nada... tudo... Muito...
E silencia!...

Odeio-te Cristo!...assim crucificado...
Eficaz marketing da submissão...
Vencido...Prometeu...

Judas... Eu sou dos seus... Mas não me enforcarei!...

Os bárbaros cristãos invadiram o Templo de Isis!...
Sacrilégio dos sacrilégios...
Não peço a benção...Nem imploro perdão...
Mas todos os seus "mártires" não valem um livro
queimado da Biblioteca de Alexandria!...
- Salomé! Por favor, traga-me um cordeiro assado e uma jarra de vinho

Pilatos, lavemos as mãos!...
Vamos à farra, Barrabás!...
Pois tal como Nietzsche só poderemos amar Um Deus
que dance!...

Deixo a caverna dos mortos...
Prefiro a luz do verde jardim!...

Macário Ohana Vangélis

A FACE OCULTA DO MORRO

O que mata o morro é não saber a sua história,
É não guardar suas memórias,
A riqueza da cidade vem do morro,
São pretos, pedros. pedreiros,
São costureiras e enfermeiras,
São operários e batuqueiros,
São putas e madames mandando o pé
Na bunda dos canalhas.

É São Jorge e Jesus Cristo tomando porres.
Estendendo as mãos a malandros e otários
Aos sobreviventes de salários.

O morro é um porco gordo
Fatiado e devorado por estômagos delicados
No banquete das negociatas.

O morro é velha babilônia resistindo,
É estúpida idéia ariana,
É o caos antropofágico,
Caldeirão de mouros, nordestinos e afro-europeus
Ou o que o diabo ou deus, o sacaneando, lhe mandou.

O morro é América católica estoicista
Negando-se todos os dias.

Que engenheiros.
Que carpinteiros,
Senão os intuitivos do morro,
Construiriam tais palácios, palafitas, barracos (?).

Aonde tal solidariedade e festas dionisíacas?...
... O morro pede socorro?...
AhL.nasceste um narciso em teu umbigo.

Macário Ohana Vangélis

PRAÇA 22 DE NOVEMBRO

Sob o banco de pedra dormita o cão,
Encolhido, esquecido, desprezado.
Algemado à bíblia e ao terno batido
O idiota de plantão vocifera preceitos cristãos.
Camelôs marretam seus produtos.
Operários pisam o chão em passos brutos e velozes.
Estudantes estacam em papos bem humorados.
Discretas mariposas volteiam risos cálidos,
Oferecendo-se no difícil sacrifício do ofício.
Pombos doentes e intoxicados
Disputam com os transeuntes os espaços arborizados.
Meninos brincam na fonte.
As lojas gritam promoções e novidades.
Periódicos enxames humanos
Descidos dos trens ou da estação central.
"Aeroporto de baiano", como disse um dia, sorrindo,
A poeta Lea Aparecida de Oliveira.
Rasgam apressados a praça,
Olhos vazios, anônimos, pousam por instantes
Sobre saborosos seios, coxas deliciosas,
Inclusive os meus!...
Pago os livros, deixo a banca do Tiozinho
Lanço um derradeiro olhar ao cão abandonado...
Atravesso a praça tantas vezes perdida e conquistada.
O sol a beija.

[i]Macário Ohana Vangélis

domingo, 3 de fevereiro de 2008

"UM VULTO FEMINIL NO BANHO PÚBLICO"

Chove. Chuva forte. Inesperada.
Bom chover!...
Após longos dias de calor asfixiante.

O céu respira profundamente o ar molhado.
A mata ressecada abre os braços...
E deixa a chuva acariciar os seios!...

Moleques brincam na enxurrada
Das ruas asfaltadas!...

Os anônimos fogem velozes.
(Ao descer dos ônibus e automóveis).
Ocultando-se na cinzenta tempestade.
Sob toldos e guarda-chuvas...
Rajadas de vento turvando árvores.
Corpos, residências.

Louca vontade de ganhar a rua...
(Mas... o úmido ar gelado!...
Mas minha traiçoeira rinite!...
Será que já virou bronquite ou crônica tuberculose?...)
Meu ávido olhar vagabundo pousa
Sobre um vulto que não corre...
Anônimo corpo feminil.
Gozando prazerosamente o banho
Público!...

Em espírito passeio ao seu lado.
A chuva banha a cidade.
E um sol ancestral banha-me
A alma.

Macário Ohana Vangélis

A VALSA DO OLHAR VAMPIRO

O trem surge no horizonte sujo.
agitação na estação.
vamos todos embarcar
no shopping-trem.
no trem-passarela de pedintes.
no trem-caos nosso de cada dia.

vamos redescobrir.
nosso turístico trajeto diário:

poluição - ruínas das velhas fábricas - castelos de zinco
e alvenaria...

o velho rio arrasta ainda seu cadáver putrefato.

não embarco
no trem espanhol.
"rio grande da serra - jundiaí".

parado na plataforma semideserta
valso o olhar ao redor.

bebo fragmentos concretos do "plaza shopping", da
"galeria",
da "igreja da matriz", do salão de danças "
independente", da
"estação rodoviária", do "hotel shangai" (quantas
burlescas historias!...),
as casas amarelas ferroviárias.

outro trem chega...
"luz- rio grande da serra".
descansa por momentos na estação.

uma massa informe.
clones de jonas abandonando apressados o interior da
metálica

baleia!...
fisionomias de jó.

meu vampiro olhar roça a pele
de jovens salomés risonhas e inquietas
irisando com sua irreverência o entardecer mauaense.

Macário Ohana Vangélis